quinta-feira, 4 de março de 2010

ASTRALIZAÇÃO

As palavras de Deus foram lançadas como fogo para castigar Adão, perjurando que o trabalho seria um castigo, pela indevida curiosidade. A pena seria que o homem teria que trabalhar para obter seu sustento. E desde então trabalhamos. Valemos pelo que conseguimos fazer, produzir e a tudo que produzimos é dado seu valor. Mas o trabalho nem sempre é um castigo e a curiosidade nem sempre deve ser penalizada.

Em nossa humilde província ainda o que vale é trabalhar e quem não produz não vale nada. São idosos se acabando na roça, pedreiros, professores, médicos, caminhoneiros trabalhando oito, dez, doze, vinte e quatro ou mais horas seguidas. O trabalho não mata ninguém, dignifica o homem, ocupa a cabeça. Mas não era pra ser um castigo?

Que me valha o santo Domênico de Masi com o seu ócio criativo...


Não era pra falar mal do trabalho que comecei este texto, era pra falar de outro tipo de trabalho. O trabalho relacionado à arte. Essa expressão do ser humano que procura meios de fazer fluir sentimentos, fortalecer o espírito, comunicar-se e sentir-se melhor.

Nessa vida provinciana estamos desligados da produção artística, pagando nossa dívida criada por Adão. E aprendemos que curiosidade e até a criatividade é uma coisa ruim, para desocupados, para quem não tem nada pra fazer...


Na sexta-feira de dezenove de fevereiro, deste ano, reuniu-se próximo de um lago uma trupe de quem gosta de ver as coisas de forma diferente. E encontraram-se pintores, músicos, escritores e o melhor público: gente pensante. Ao ar livre do Clube Santa Helena em um quiosque de churrasqueiras, decorados de forma hiponga com panos pintados foi celebrada a primeira Astralização.

Uma festa do grupo Difusão do Rock, liderados por Rafael Schossig e Mateus Rauen.


Nas paredes exposições de quadros a óleo e desenhos. Marcelo Calado, com quadros de um traço surpreendentemente particulares, com um colorido próprio, ambicionando um estilo novo, como um expressionismo tecnicolor. Carolina Zanellato que representa a sociedade artística de Itaiopolis, e com seus desenhos lembrando cenas dos velhos tempos, marca a presença de artistas não apenas pertencentes a nossa cidade. Além de belos desenhos de Julia Arbigaus, com temáticas evidentes da figura feminina e liberdade.


O som para a Astralização foi pensando para estimular a transcedência. Longe de querer agradar os ouvidos com fórmulas marcadas de músicas conhecidas. Os inquietos participantes da festa foram instigados, provocados e estimulados a jogar-se ao infinito abismo da música de forma solta.

A primeira banda a apresentar-se foi O Conto, banda de Curitiba com três músicos de uma performance fantástica que ficava descarada já em suas roupas.

Personagens de um mundo hippie que ainda flutua e brota em ocasiões que requer um pensamento livre. Executaram músicas autorais. Claro que eram desconhecidas para o público, mas que estavam lá pra fazerem pensar. E quem desfruta desta dádiva de tentar pensar teve seu incentivo. Não vamos a lugar nenhum se continuarmos a fazer sempre as mesmas coisas, não é?


A próxima banda que entrou em palco, que não passava de um tapete no chão, foi a Relicários de São Tolosa, de Mafra. Com um repertório de som psicodélico e progressivo, entremeando músicas da fase inicial de Pink Floyd e de fases mais ousadas de Beatles, Doors e de outras bandas como Jefferson Airplane, Greateful Dead e por ai a diante...

Numa inesperada entusiástica resposta dos ouvintes, que aos poucos foram invadindo os microfones, com suas vozes entorpecidas, em músicas não treinadas e por vezes comprometendo a afinação. Mas naquele caldeirão efervescente de sentimentos, borbulhando energias humanas a afinação não era mais valiosa quanto a calorosa participações de amigos.

Enquanto a Relicários de São Tolosa executava a Fanfarre for a Commum Man, do compositor Aaron Copland, numa versão de rock do Emerson, Lake & Palmer, surge um homem de preto com um capuz de monge. O monge, ou quinto elemento, era o Rogélis Arbigaus, um sensacional artista plástico de nossa cidade, que além de pintura em tela de diversos estílos faz tatuagens. Empunhando um pincel, lança óleo em uma tela preta e em menos de vinte minutos está pronto. Pronto mas ninguém entendeu nada até ele virar a tela, ele havia pintado de cabeça pra baixo.

E após virar fica claro que o que ele pintava era uma figura psicodélica, a silhueta de um homem segurando um guarda chuva em um dia de verão.

Naquele frenesi de participações, quem não ficou convencido pelo menos ficou confundido. Encerrando a Relicários entra em palco a banda Oswaldetes para dar uma palhinha de rock’n roll, mas foi tumultuada pela contínua participação dos amigos músicos da platéia que não se continham em apenas ouvir.

Ainda na noite contavamos com o escritor Romam Schossig com seu livro Em Nome de Fanom. Roman é um real cavalheiro de nossos dias, com os ares da mais casta cultura que não vemos facilmente.

Todos entraram de forma gratuita, com convites distribuidos por pelos integrantes da Difusão do Rock, ninguém contou ao certo, esperava-se cerca de cem pessoas mas dizem que passou de trezentas.

Para comprar tinha o livro Em nome de Fano (Romam Schossig), Memórias (Sebastião Cassias), camisetas com a imagem do Badanha, camisetas coloridonas, hippongas e também cerveja, misto quente e água.

Para casa as pessoas levaram uma experiência nova, talvez nunca antes vivenciada em nossa vila.


Para os organizadores, a certeza de um trabalho prazeroso, que não sei se vale pra pagar nossa dívida que Adão deixou....




Zaratustra

Um comentário:

Mata da Estepe disse...

Acho que foi realmente um grande evento! E que venha a II Astralização..