sexta-feira, 24 de julho de 2009

A última canção dos Beatles

Há exatos 40 anos, os Beatles faziam sua última gravação. O nome da canção final e suas poucas palavras seriam vistos depois como proféticos. Mas, para observadores mais atentos, era já a morte anunciada, o suicídio frio e deliberado da maior banda de todos os tempos. Por que escolheriam eles repetir o título notório, a marca registrada, de outro grupo, The Doors? Na verdade, eles necessitavam marcar a ferro e fogo que aquilo fora, definitivamente, “The End” — o fim inapelável. A letra sucinta diz: “Oh yeah, alright/ Are you going to be in my dreams tonight?/ And in the end, the love you take/ Is equal to the love you make.” (“Ora, sim, tudo bem, você vai estar em meus sonhos esta noite?/ E, no fim, o que o amor lhe traz/ É igual ao amor que você faz.”)

Em The Complete Beatles Chronicle, a agenda detalhada das atividades dos Fab(ulous) Four de 1957 até 1970, incluindo fichas técnicas de todas as gravações, Mark Lewisohn descreve o que se passou nos estúdios da EMI em Abbey Road, Londres, naquela quarta-feira, 23 de julho de 1969: “Uma boa carga de ensaios deve ter precedido o rolar das fitas durante a sessão de 14h30 às 23h30 no Estúdio Três, pois desde a primeira tomada foi uma gravação tensa, começando com algumas notas da guitarra e pavimentando o caminho para o primeiro e único solo de bateria de Ringo numa canção dos Beatles. O grupo fez sete tentativas e o estilo do solo de Ringo mudava a cada uma, a última durando quase 16 segundos e a canção em si 1m20s. (Dublagens posteriores a elevaram para 2m41s, embora a edição do “melhor” mix a reduzisse a 2m05s.)

A esta altura, um abismo emocional separava os quatro rapazes de Liverpool, tão unidos no início da carreira. Mas, no breve período de 1º de julho a 25 de agosto, entre gravações e edições, eles produziriam o que muitos consideram sua obra-prima: as 17 faixas do disco que homenagearia, no título, Abbey Road, o estúdio onde gravaram todos os seus álbuns, a partir de 11 de setembro de 1962. Mark Lewisohn comenta: “Foi um feito surpreendente, porque a animosidade entre o grupo foi quase totalmente apagada durante as sessões e impediu qualquer interferência com aquilo que, no fundo, era a essência dos Beatles: a música. Todos os quatro brilharam: as composições e o trabalho vocal de John; o supremo artesanato musical de Paul nesta longa galeria de melodias; a incrível técnica de George e duas canções maravilhosas (“Here Comes The Sun” e “Something”, que Frank Sinatra considerava sua canção favorita da dupla Lennon & McCartney); e o excelente desempenho de Ringo na bateria. Mesmo que, conforme os engenheiros de estúdio observaram, os quatro Beatles só tivessem estado juntos para a gravação das trilhas básicas, com as dublagens feitas em solo, ainda assim a soma daquelas quatro partes conseguiu formar uma unidade perfeita.”

O álbum Abbey Road foi lançado na Grã-Bretanha na sexta-feira, 26 de setembro de 1969 e tornou-se o recordista de vendas dos Beatles: cinco milhões de cópias no primeiro ano, contra três milhões de Sergeant Pepper’s. A capa icônica — os quatro atravessando em fila indiana a faixa zebrada da rua, Abbey Road — tornou-se uma das imagens mais conhecidas e mais parodiadas do século. Prestou-se, também, a uma série de leituras so­­bre seus significados ocultos. No dia 12 de outubro, um disc-jó­quei americano anunciou ter recebido a notícia de que Paul McCartney teria morrido. A partir daí, começou uma verdadeira caça aos signos:

• No final de “Strawberry Fields Forever”, tocado de trás para a frente, ouvia-se John cantando: “Eu enterrei Paul.”

• Paul teria morrido no desastre de carro descrito na música “A Day In The Life”.

• A capa de Sergeant Pepper’s seria uma encenação do en­­terro de Paul, com um sósia assumindo o seu lugar.

• Na capa de Abbey Road, Paul aparecia descalço, “como um cadáver”, e com o passo errado em relação aos outros Beatles.

• O Volkswagen que aparece ao fundo da mesma capa, tem a placa 28 IF, ou seja, “28 se...”, a idade que Paul não teria completado.

A assessoria da Apple informou com veemência que Paul estava vivo e muito bem em sua fazenda na Escócia. Na corrida midiática, a revista Life, primeira a chegar, foi recebida literalmente com baldes de água fria jogados por Paul. Uma festa para os fotógrafos, que clicaram um Paul irado, agredindo a imprensa. Ele soube negociar: as fotos do seu ataque de nervos não seriam publicadas e, em troca, Life publicaria um ensaio sobre sua vida na Escócia, fotografado com exclusividade pela Sra. McCartney, Linda. O pacote incluía uma foto da filha recém-nascida, Mary, e uma entrevista de Paul, em que dizia: “Os rumores de minha morte foram exagerados. Mas, se eu tivesse morrido, estou seguro de que teria sido o último a saber.”

Foi o fim de uma era. Em 1969, o sonho hippie chegou ao auge no Festival de Woodstock e se tornou um pesadelo logo depois com as chacinas da “família” Manson e a tragédia do Festival de Altamont, na Califórnia. Paul McCartney afirmava na ocasião: “Eu não deixei os Beatles. Os Beatles deixaram os Beatles — mas nenhum deles quer ser o primeiro a dizer que a festa acabou”. E John Lennon, pouco depois, proclamava, numa canção e numa entrevista: “O sonho acabou. Acabou e temos que voltar à realidade”.

2 comentários:

Mateus disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mateus disse...

Po Rafinha, você anda lendo muito Whiplash ultimamente! hehehehe